O urinol (séc XIX - ourinol, cf. PINTO, 1832) é um recipiente de uso cotidiano para urinar, defecar ou mesmo escarrar. De formato geralmente arrendondado, pode ser feito de porcelana, cerâmica, pedra, metal, com ou sem ornamentos. Trata-se de uma peça relativamente pequena, não pesada, portátil, ou seja, de possível deslocamento para desprezo dos dejetos e limpeza. Seu nome e uso apresenta variações no tempo e no espaço, sendo também conhecido como penico, bispote, vaso da noite, bacio, vaso de câmara, pot de comadre. No caso de uso especializado, em ambiente hospitalar, possui as terminologias específicas de papagaio ou comadre. Uma curiosidade sobre seu uso é o de servir também como instrumento de trabalho da parteira. Segundo Barreto (2001, p. 147), “quando a secundina [placenta] demorava de sair, a parida deveria sentar em um urinol com água fervendo para receber todo o vapor, dizendo numa só respiração: salsa, salsa, salsa”.
Segundo Schettino (2012), até o século XX, apesar de ter um local reservado para fazer suas necessidades fisiológicas (casinha), alguns moradores davam preferência ao uso do urinol em seus quartos. Hoje muitas pessoas se lembram do popular penico das avós: esmaltado, branco, com alça lateral, guardado embaixo da cama para uso noturno, mas que também podiam ser acomodados em uma portinha inferior da mesinha de cabeceira da cama. E o penico ou ainda o ‘troninho’, feitos em plástico, fazem agora parte do cotidiano de muitas crianças bem pequenas em processo de desfralde. O troninho normalmente tem um assento, com uma tampa que cobre o urinol acoplado e removível para limpeza.
Na página on-line do Museu do Urinol (https://museodelorinal.es/museo/), situado em Rodrigo, na Espanha, é contado que no século III, com Diocleciano, já se tinha um lugar reservado para urinar ou defecar, porém seu uso era coletivo. Posteriormente, em castelos e mosteiros, foram feitos canais que ligavam essas “latrinas” a um fosso, mas teria sido com Carlos V, em 1374, na França, que se advertiu que as casas particulares deveriam ter seus lugares reservados para dejetos humanos. Com isso, no século XVII, são fabricados os urinóis de porcelana e de grés, difundindo-se a partir do século XVIII ao serem produzidos também em outros materiais.
No Brasil do período colonial, segundo Schettino (2012, p. 171-172), a casa urbana tinha um quintal com senzala e a “secreta” (casinha), porém, frequentemente, o urinol era preferido e seu conteúdo despejado em praias ou terrenos distantes pelos escravizados. Desde o século XIX, em um “mundo em que a higiene pública era precária, o urinol era objeto imprescindível à vida doméstica” (MELLO E SOUZA, 1997). Logo, a pergunta que fica é: afinal, como se dá esse processo de desprezo dos dejetos do urinol no espaço urbano e quais os seus efeitos sócio-históricos? Sabe-se que, no século XIX, quando a cultura do uso do urinol estava presente na sociedade, nas casas havia um recipiente onde se despejava o conteúdo. Segundo Oliveira (2015, p. 36), o nome dado a esse recipiente era “tigre”, enquanto “tigreiro” era como denominavam o escravizado responsável por carregar os grandes vasos com excrementos, que escorriam por seus corpos, marcando-o os pelos desprezos (des)humanos.
PINTO, Luiz Maria da Silva. DICCIONÁRIO da Lingua Brasileira. Ouro Preto: Typhographia de Silva, 1832. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5414 . Acesso em: 16 mar 2022.
OLIVEIRA Isabel Cristina Borges de. Vocabulário Controlado sobre escravidão, abolição e pós-abolição: a representação dos conceitos. Coordenado por Lucia Maria Velloso de Oliveira. – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2015. 49 p. Disponível em: http://www.memoriaescravidao.rb.gov.br/pdf/VocabularioControlado.pdf. Acesso em: 16 mar 2022.
MUSEO DEL ORINAL. Historia del orinal. Disponível em: https://museodelorinal.es/museo/historia-del-orinal/. Acesso em: 16 mar 2022.
BARRETO, Renilda. Corpo de mulher: a trajetória do desconhecido na Bahia do século XIX. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 34, p. 127-156, 2001. Editora da UFPR.
SCHETTINO, Patrícia Thomé Junqueira. A MULHER E A CASA: Estudo sobre a relação entre as transformações da arquitetura residencial e a evolução do papel feminino na sociedade carioca no final do século XIX e início do século XX. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012
MELLO E SOUZA, Laura. História da vida privada no brasil: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. Volume 1. Caderno de imagens. Coordenação geral da coleção por Fernando A. Novais. Rio de Janeiro, RJ: Companhia das Letras, 1997.