Em meados do século XVI, durante o Renascimento, publicações na França e Inglaterra, passaram a fazer referência a um objeto para calçar os sapatos: em inglês shoehorn, em francês chausse-pied, em portuguesa calçadeira. Objeto para auxiliar no calçar dos sapatos frequentemente feito em metal, por vezes tinha em sua base outros materiais, que melhoraram a forma de manusear e no ajuste anatômico dos sapatos, sem deixar de lado o luxo, tão importante para algo vinculado à aristocracia (EVANS, 1944, p.283).
Nos tempos de outrora, a calçadeira não era um apetrecho de uso comum. Destaca-se para o fato de que os sapatos, principalmente os mais rebuscados, eram utilizados pelos mais privilegiados, tanto para proteger os pés quanto para compor um visual elegante. No universo feminino é notória a sensualidade atribuída aos pés, seja no passado, seja no presente. A calçadeira, inicialmente era um acessório que acompanhava a classe social mais favorecida. Na segunda metade do século XIX, as botas da era vitoriana eram feitas em pele, fechadas em cano alto e tinham conjuntos grandes de botões; desse modo, calçá-las seria praticamente impossível sem o auxílio de uma calçadeira (BOSSAN, 2019, p.308).
Uma cobrança radical, que leva a extremos na busca por um ideal de beleza, foram as chinesas com “pés de lótus”, deformados propositalmente durante anos, através do uso de faixas e sapatos ultra apertados, para que se mantivessem sempre pequenos.
Os abotoadores ou ganchos para botões, em inglês buttonhook e em francês tire-boutons foram identificados, primeiramente, na França em 1611, mas somente patenteados em 1876 (CUMMING; CUNNINGTON; CUNNINGTON; 2010, p.59; UNITED STATES PATENT OFFICE, 1876, p.154). Na Inglaterra, por exemplo, foram produzidos inúmeros abotoadores, com distintas formas, entre as décadas de 1880 e 1930. Também eram apetrechos de uso cotidiano e que compunham o universo da indumentária maioritariamente feminina. Seguem um formato similar a calçadeira: um gancho longo, geralmente metálico, com uma curvatura na ponta e um cabo em madeira (BRANDON, 1998). A The New York Public Library ¹ , por exemplo, disponibiliza em seu acervo online representações dos abotoadores.
As calçadeiras, como o próprio nome revela, tinham por objetivo principal facilitar o calçamento de sapatos, já os abotoadores facilitam para além dos sapatos, o uso de roupas e acessórios com botões. Eram também utilizados para apertar as fitas e botões que compunham o espartilho - vestimenta para moldar a silhueta no padrão desejado e sustentar a postura corporal feminina (PICKEN, 1999). Conforme o Jornal da Senhoras, edição n.47, publicado em 21 de novembro de 1852: “(...) espartilhos adotadamente talhados para as modernas cinturas redondas” (p.47). O ato de amarrar as fitas, seja de modo mais constringido ou não, através dos abotoadores, tinha uma conotação além da visual, conforme o Jornal da Senhoras, edição n. 45, de 7 novembro de 1852: “O espartilho é um companheiro inseparável do bom tom e que acompanha também a boa educação (...) o qual serve unicamente para conservar o talhe elegante do corpo (...)” (p.146).
Por fim, peças marcantes na vestimenta feminina, e não só, os abotoadores caíram em desuso enquanto as calçadeiras ainda são utilizadas e encontradas com facilidade.
The Miriam and Ira D. Wallach Division of Art, Prints and Photographs: Art & Architecture Collection, The New York Public Library. ' 1. Brosse à dents. 2. Tire-boutons. 3. Miroir à main. 4. Petite brosse à habits. 5. Boîte à poudre et couvercle.'' The New York Public Library Digital Collections.1900-1909. Disponível em: https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e4-2e86-a3d9-e040-e00a18064a99 . Acesso em: 01. Abr.2022.
BOSSAN, Marie- Josèphe. The Art of the Shoe. New Work City: Parkstone International, 2019.
BRANDON, Sue. Buttonhooks and Shoehorns. New Work City: Bloomsbury Publishing, 1998.
CUMMING, Valerie; CUNNINGTON, Cecil Willett; CUNNINGTON, Phillis Emily. The Dictionary of Fashion History. Oxford; New York: Berg Publishers, 2010.
EVANS, Joan. Shoe-Horns and a Powder Flask by Robert Mindum. . The Burlington Magazine for Connoisseurs. v.85, n.500, p.282-284, nov.1944.Disponível em: https://www.jstor.org/stable/869033 . Acesso em: 30.mar.2022.
O JORNAL DA SENHORAS. Rio de Janeiro, n. 45, 7 de novembro de 1852. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/700096/per700096_1852_00045.pdf .Acesso em: 29.mar.2022.
O JORNAL DA SENHORAS. Rio de Janeiro, n. 47, 21 de novembro de 1852. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/700096/per700096_1852_00047.pdf. Acesso em: 29.mar.2022.
PICKEN, Mary Brooks. A dictionary of costume and fashion: historic and modern. Mineola - NY: Dover Publications. Disponível em: https://archive.org/details/dictionaryofcost0000pick Acesso em: 30.mar.2022.
UNITED STATES PATENT OFFICE. Annual Report of the Commissioner of Patents – The Year of 1876. Washington – D.C: Government Printing Office, 1877. Disponível em: https://library.si.edu/digital-library/book/annualreportofco1876unit . Acesso em: 28.mar.2022.