A pequena escova de dentes é um objeto para limpeza bucal. Seu material é formado pela madeira pau-marfim e possui nove centímetros de comprimento. O hábito de limpar os dentes após a ingestão de alimentos foi construído ao longo do tempo. Acredita-se que a primeira escova de dentes foi criada na China, por volta dos anos 1400. Uma escova formada por cabo de bambu ou osso, e hastes de pelos de animais. No Brasil, os cuidados dentários intensificaram-se com a chegada da família real portuguesa (1808), que além de explorar a cana-de-açúcar, trouxe novas formas de uso desta matéria-prima. A presença deste produto nas atividades econômicas influenciou os hábitos alimentares e gerou um maior consumo do açúcar, ingrediente essencial para o preparo de doces, geleias e tortas (NAVAI; FRAZÃO, 2008). O aumento da ingestão desses alimentos teve consequências negativas para a região bucal, incidindo em danos dentários e, consequentemente, maior busca por soluções desses males.
No século XIX, os hábitos de higiene bucal encontravam-se em desenvolvimento. A escova de dentes com cerdas e em pau-marfim era um objeto de alto valor. Segundo Carvalho (2004), a madeira pau-marfim é indicada para fabricação de móveis de luxo, materiais internos da construção civil, marcenaria e artigos decorativos. Nasce a necessidade de alternativas para minimizar esses custos, conforme descreve o jornal O Diário do Rio de Janeiro:
Na rua da Misericórdia n. 24, e no largo da Carioca na botica entre a rua da Vala, e a dos Latoeiros, vende-se em porção, e a varejo uma casca muito própria para servir de escova, e limpar os dentes, a qual tem à particularidade de, além de alvejar os dentes conservá-los, e fortificar as gengivas, por ser antiscorbútica e tônica (DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, 27/04/1837).
Nota-se uma tendência à utilização de materiais mais baratos e acessíveis às famílias. Os médicos acreditavam que lavar a boca com água morna, sal ou limão eram alternativas eficazes de realizar a higiene bucal. A medicina e suas especialidades relacionadas à odontologia estavam em estágio inicial de evolução. As pessoas buscavam médicos gerais ou barbeiros para resolverem as dores dentárias e extraírem os dentes. Por outro lado, o culto da boa aparência pelos portugueses e demais europeus que estiveram no Brasil trazendo novas práticas na moda, moradia e higiene, influenciou a população nativa a se preocupar mais com essa parte do corpo. (SANTOS; SOUZA, 2020).
O cuidado com a saúde bucal e o corpo associou-se à preservação da beleza da mulher. Assim, manter os dentes limpos e saudáveis passou a ser uma responsabilidade da mulher. Cuidar do corpo e da aparência física foi tão valorizado quanto cuidar do lar e dos filhos. A fisionomia dentária revelava as características femininas, tais como fraqueza, timidez, força, tempo de vida, organização e limpeza. Até mesmo características dos dentes, como serem longos ou curtos, demonstravam traços de personalidade. Observa-se:
Esmiucemos, pois. Antes de tudo a fisionomia dos dentes. O que exprimem eles? Os dentes compridos são indício de fraqueza e timidez; - os claros, agudos, um pouco afastados entre si, denotam cólera fria e razoável; - os pequenos e curtos, são o atributo de força física; os largos e muito miúdos, prognosticam vida longa; - os alvos, cuidados, revelam espírito desvelado, amigo da ordem (A MAI DE FAMÍLIA, 31/08/ 1885, p. 122).
As atribuições femininas descritas em A Mai de Família denotavam a importância de limpar os dentes para manter a saúde bucal, evitar cáries, eliminar mau hálito e, principalmente, manter boa aparência. O periódico A Mai de família destinava-se ao público feminino. Seus escritos eram compostos por orientações médicas para mães e esposas no trato do lar e dos seus filhos. Ainda neste artigo, assinado pelo Dr. Pires de Almeida, percebe-se a preocupação médica em estimular a limpeza bucal para evitar a destruição e possível extração dos dentes. Recomendava-se escovar os dentes apenas com água, no turno da manhã, através de uma escova pequena e macia, a fim de alcançar todos os cantos da boca. Para dentes sensíveis e sangramentos nas gengivas, aconselhava-se usar folhas de goiabeira, água com vinagre, água com limão e outros. Orientava-se no jornal:
A água pura basta quase sempre, mormente quando a boca está sã; desde porém que o hálito é fedido, e as gengivas são flácidas e sangram facilmente, aconselho que se junte á água gotas de elixir de Leroy ou água de Botot; ou – ainda – na falta desses meios – se empreguem os cozimentos de quina, cochlearia, folhas de goiabeira, amoreira, e casca de jequitibá, trifólio, ou ainda – de vez em quando – água com vinagre, ou água com caldo de limão (A MAI DE FAMÍLIA, 31/08/1885, p. 123).
A escovação dos dentes se dava nos quartos de dormir. Nas famílias favorecidas, esse objeto era de uso pessoal. A limpeza dentária era feita em bacias para enxágue da boca, toalha para secá-la e com apoio de empregados. Já nas famílias desfavorecidas, uma escova de dentes poderia ser utilizada por mais indivíduos. A escova de dentes se popularizou no século XX. No entanto, a higiene bucal dentro de banheiros se difundiu anos mais tarde. Conforme aponta Vicent (2009), fazia-se necessária a construção de um ambiente reservado nos lares para a realização de atividades higiênicas. O banheiro tornou-se o cômodo adequado e íntimo para a escovação dos dentes e outras necessidades. Por volta dos anos de 1880 passou a ser visto nas casas burguesas.
Os segredos do corpo revelavam-se através da retirada das cintas, perucas, espartilhos e dentaduras. No banheiro, as pessoas se olhavam no espelho, percebiam as suas características e libertavam-se dos padrões de beleza impostos pela sociedade. Atualmente, no Brasil, o estímulo à saúde bucal é bastante disseminado pelo Estado. Há políticas públicas de distribuição de escovas, pastas de dentes, campanhas de escovação, aplicação de flúor nos postos de saúde e nas escolas.
A MAI DE FAMÍLIA, 31/08/1885. DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO (RJ), 27/04/1837.CARVALHO, Paulo Ernani Ramalho de. Pau-Marfim - Balfourodendron riedelianum. Revista Circular Técnica 93, Colombo, PR Dezembro, 2004.
NARVAI, P. C, FRAZÃO, P. Políticas de saúde bucal no Brasil. In: Moysés TS, Kriger L, Moysés SJ, organizadores. Saúde bucal das famílias: trabalhando com evidências. São Paulo: Artes Médicas; 2008a. p.1-20. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4843299/mod_resource/content/2/Texto-05-NarvaiFrazao-PoliticasDeSaudeBucalNoBrasil-Capitulo-Kriger-et-al-SaudeDaFamilia.pdf. Acesso em 26 mar. 2022.
SANTOS, Jorgemberg Braz dos; SOUZA, Rogério Alves de Souza. A Cariologia na sociedade brasileira do século XIX. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v. 6.n.12, dez. 2020. ISSN - 2675 – 3375.
VICENT, Gérard. O corpo e o enigma sexual. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009. In: PROST, Antoine; VICENT, Gérard História da Vida Privada, 5. Da Guerra a nossos dias. Tradução, Denise Bottman, 1º ed. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.