A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Ferramentas da Costura

Robson Fonseca Simões

Universidade Federal de Rondônia

Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar/Mestrado e Doutorado Profissional

[...]Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico[...] 1

A epígrafe deste texto, um trecho da narrativa machadiana intitulada “Um Apólogo” procura personificar as personagens, ferramentas de costura presentes na caixa, arca da costureira do final do século XIX. Agulha, alfinete, tesoura, linhas, aviamentos estavam presentes nesse estojo portátil utilizados diariamente tanto por costureiras quanto por alfaiates na arte de cerzir. Nessa acepção, é possível entender que estas ferramentas também alinhavavam as práticas sociais dos artesãos ou artesãs dos cortes de costura, das linguagens das modas e histórias de vida dos sujeitos frequentadores dos saraus, bailes, festas sociais, com uma indumentária singular, um estilo com uma marca, um segredo de vestimenta, assinada por aquele ou aquela, que em seu ateliê, era o artífice da costura.

Este conjunto de utensílios das costureiras eram dispostos em suas caixinhas com tesoura, objeto composto de duas lâminas de corte, que se move sobre um eixo comum; é utilizado para cortar materiais de pouca espessura e que não requerem grande força de corte, como por exemplo papel, cartão, tecidos, entre outros (FERREIRA, 1999).

O que são os alfinetes? São pequenas hastes de metal, finos, aguçadas numa extremidade e arredondada ou dilatada na outra; usados para prender ou segurar sobretudo tecido e peças de vestuário (FERREIRA, 1999). Por sua vez, as agulhas são ferramentas utilizadas para perfurar superfícies, com uma ponta de um lado e um orifício do outro, por onde é passada a linha com o objetivo de coser ou bordar. Já os aviamentos são parte do acabamento das peças das costuras: linhas, botões, zíperes entre outros (FERREIRA, 1999).

Na narrativa machadiana há um conflito entre a agulha, uma das peças existentes na caixa de costura, e a linha, aviamento utilizado também pela costureira. É possível perceber também o alfinete, que da mesma forma ocupa um lugar na caixa da costureira. Portanto, o texto, num tom de anedota, procura apresentar as funções destas ferramentas que estão presentes no estojo da costureira com os seus principais instrumentos.

Não é difícil entender que a história narrada pode ser também reveladora de como a arte de coser se constitui e é constitutiva de práticas socioculturais. Entende-se que o ato de cerzir também se volta para os conhecimentos e saberes relativos às interações, enfocam as representações de mundo, as formas de ação e as manifestações de linguagens ou estilo da moda. Assim, nesse processo artístico desenvolvido entre superfícies, tecidos, ferramentas, fios que se enroscam e se embaraçam, entre costuras, fazeres, materialidades também há um universo de delicadeza e afetividade. Os estudos de Guimarães (2015) sugerem que a bordadura torna-se uma linguagem de experiências, de afeto, de vínculo e de liberdade.

As linguagens são aqui compreendidas como formas sociais historicamente definidas de produção de sentidos, sendo que elas dialogam com os mundos (Bakhtin, 1997) e o que denominamos realidade. Discursivamente orientadas, as práticas linguísticas estão em alinhamento a pelo menos um regime de significação que especifica o que está dentro ou fora do domínio. Nesse sentido, o estilo, as modas podem ser também compreendidas como linguagens, estilos, constituindo-se como visões de mundo e valores sobre a vida (LARAIA, 2001).

Nos limites das linhas desse estudo, o esforço foi o de se poderem entrelaçar possíveis descrições, fios que também se articulam com o ato de costurar, as ferramentas do cerzir, das linguagens da moda e das histórias que perpassam estas caixinhas de costura nesse possível ateliê histórico.

Referências bibliográficas

ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II.

BAKHTIN, Mikhail Mjkhailovitch. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

GUIMARÃES, Mariana. Bordadura como linguagem de experiê ncias, afeto, vinculo e liberdade. 24º ENCONTRO DA ANPAP. Anais Compartilhamento na arte: redes e conexões. Santa Maria, RS, 22 a 26 de setembro de 2015, p. 4067-4082.

LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.