A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Estojo Escolar

Alessandra Cristina Furtado

Universidade Federal da Grande Dourados

Programa de Pós-Graduação em Educação

Em dicionário de Língua Portuguesa brasileira, a palavra estojo é definida como “Objeto, ger. em forma de caixa, cuja configuração interna se adapta àquilo que se destina a guardar” (AULETE, 2012, p. 377). O antigo estojo escolar em madeira com trabalho de manqueteie – ou trabalho de marchetaria, em uma atualização da Língua Portuguesa –, típico do século XIX, surgiu com o desenvolvimento da indústria escolar, ocorrido também nesse período, constituindo-se um objeto de guarda de materiais escolares, como lápis, borracha, entre outros. Era produzido em madeira, no formato de uma caixa retangular de tamanho pequeno, com uma divisória na parte inferior interna, que servia para separar os artefatos nele guardados. Além disso, em sua produção era usado metal de cor alaranjada, semelhante ao metal cobre, para compor a fechadura e as dobradiças. Estas últimas possibilitavam mobilidade entre a parte superior e a inferior do estojo, favorecendo o seu fechamento com uma fechadura confeccionada com pequenos detalhes, juntamente com a arte ou técnica feita na parte frontal e plana do objeto, ornamentada por meio da utilização de diferentes madeiras, dando-lhe mais de um tom e proporcionando-lhe um estilo semelhante aos móveis e artefatos de madeira do período, também produzidos com o trabalho de manqueteie. Ainda que fosse um estojo ornamentado, ao que tudo indica, não era um artefato utilizado apenas por mulheres no ambiente escolar, como pelas alunas e mestras, mas também por homens.

Juntamente com outros materiais produzidos e destinados ao uso escolar, como livros, cadernos, quadros murais e mapas, o estojo fez parte da emergência da indústria escolar no século XIX, o qual, no entendimento de Vidal (2017), esteve relacionado tanto à proclamação da obrigatoriedade escolar ocorrida em vários países quanto ao ensino simultâneo e graduado, pautado em princípios de uma escola de massas economicamente viável à população. Importa considerar ainda que, entre os séculos XIX e XX, no cenário de consolidação dos sistemas educativos nacionais, conforme assinala Escolano Benito (2010, p. 16, tradução nossa), '[...] tais materialidades abriram o mundo da escola para os processos de industrialização que operavam em outras ordens de vida, e até geraram interações entre administradores, criadores e as empresas que os produziam'.

Foi nesse cenário marcado pela consolidação dos sistemas educativos nacionais em vários países que a produção de tais materiais abriu os caminhos da escola para a produção industrial. Os artefatos produzidos pelas indústrias destinados ao uso escolar acabaram constituindo uma cultura material e, nesse sentido, tornaram-se objeto de interesse nos estudos e pesquisas dos historiadores da educação. Sobre o assunto, Vidal (2017, p. 253) adverte que, “[...] nos últimos 20 anos, a comunidade ibero-americana de história da educação tem se preocupado em associar aos documentos textuais outros tipos de fontes de modo a alargar o conhecimento produzido no campo [...]”. A autora ainda acrescenta que “[...] os estudos sobre a cultura material constituem, eles mesmos, um campo de investigação [...]” (VIDAL, 2017, p. 253).

Ora, é certo que os objetos da escola, como foi o antigo estojo escolar em madeira com trabalho de manqueteie, no século XIX, constitui-se, para os historiadores da educação, uma fonte que apresenta pistas para se pensar e compreender a cultura escolar de um determinado período histórico, pois, como assinala Viñao Frago (1995), esses objetos revelam o aparecimento, o uso, as transformações e o desaparecimento desses artefatos, bem como indícios das práticas educativas e de suas mudanças.

Não se pode deixar de mencionar que, ao longo do tempo, os estojos sofreram modificações em função da modernização dos artefatos pela indústria escolar, em decorrência das mudanças pelas quais passou a escola. Mesmo com todas essas transformações, eles não deixaram de existir e ainda permanecem presentes no ambiente escolar, sendo produzidos em escala industrial, o que pode ser visto nos diferentes formatos e tamanhos que circulam pelas instituições escolares.

Referências bibliográficas

AULETE, Caldas. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2012.

ESCOLANO BENITO, Agustín. Patrimonio material de la escuela e historia cultural. Linhas, Florianópolis, v. 11, n. 02, p. 13-28, jul./dez. 2010. Disponível em: http://www.revistas.udesc. br/index.php/linhas/article/view/2125. Acesso em: 2 fev. 2022.

VIÑAO FRAGO, A. Historia de la educación y historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 0, p. 63-82, 1995.Disponível em: https://www.anped.org.br/sites/default/files/rbe/files/rbe_0.pdf. Acesso em: 22 fev. 2022.

VIDAL, Diana Gonçalves. História da educação como arqueologia: cultura material escolar e escolarização. Revista Linhas, Florianópolis, v. 18, n. 36, p. 251-272, jan./abr. 2017. Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1984723818362017251. Acesso em: 22 fev. 2022.

VIDAL, Diana Gonçalves. A invenção da modernidade educativa: circulação internacional de modelos pedagógicos, sujeitos e objetos no Oitocentos. In: CURY, Cláudia; MARIANO, Serioja Cordeiro (org.). Múltiplas visões: cultura histórica no Oitocentos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009, p. 39-58.