A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Instrumentos Médicos

Raylane Andreza Dias Navarro Barreto

Universidade Federal de Pernambuco

Programa de Pós-Graduação em Educação

Os chamados instrumentos médicos são peças criadas e utilizadas pelos profissionais da saúde e que muito os auxiliam nas ocorrências e intercorrências que envolvem o duplo doença e saúde. Quando a arte de curar, tratar e cuidar ainda estava nas mãos dos curandeiros, dos boticários e até mesmo dos físicos, instrumentos foram utilizados sobretudo por aqueles que se dedicavam às cirurgias, feitas, há de se ressaltar, de modo rudimentar. Entretanto, os instrumentos construídos a partir de um conhecimento mais aprimorado do corpo humano datam da renascença, quando o corpo humano se tornou objeto da ciência.

Foi especialmente a partir do século XVII que a fisiologia humana contou com grandes contribuições, e uma das principais foi a descoberta dos mecanismos de funcionamento do corpo e da circulação sanguínea. Mediante tais conhecimentos, bem como das medições feitas nos estudos do corpo, foi possível pensar em instrumentos que favorecessem o melhor desempenho das práticas médicas. Sob a influência da medicina moderna — caracterizada, em especial, pela associação do exame físico ao exame clínico e pela incorporação do uso de instrumentos em cirurgias e diagnósticos —, o olhar também se voltou para a mulher. Dessa vez, não mais como símbolo de sexualidade, mas da maternidade.

Conceber, por meio da ciência, que a mulher tinha um corpo diferenciado do homem não apenas desmistificava a ideia grega de que os órgãos genitais eram os mesmos, diferenciando-se apenas pelo seu grau de desenvolvimento — o homem era mais desenvolvido; logo, superior —, como também colocava a mulher enquanto ser passível de tratamentos de acordo com suas especificidades. Nesse sentido, a obstetrícia ganhou status acadêmico e passou a ser ensinada nos cursos médicos, que, por sua vez, despontaram de modo muito contundente a partir do século XIX.

No Brasil, até o século XIX, e mesmo depois dele, o oficio de partejar foi exercido por comadres, benzedeiras, curandeiras, curiosas, aparadeiras, capoteiras, dentre outras mulheres que, de maneira rudimentar, traziam à luz os rebentos de toda mulher brasileira, fosse ela rica, pobre, branca, negra, indígena, da zona rural, da urbana. Apenas em 1832, seguindo a tradição europeia e norte-americana, por meio da lei de 3 de outubro, as antigas Academias de Medicina foram transformadas em Faculdades, e nelas passaram a ser ofertados os cursos de Medicina, Farmácia e Partos. Foi com este último curso que a prática do partejar começou a ser conduzida por preceitos científicos e instrumentos médicos.

Embora fosse parte da lei, há de se destacar que, diferentemente dos cursos de Medicina e Farmácia, cujo currículo e seriação estavam postos para cada ano, o curso de Partos era, segundo o art. 19, “particular para as Parteiras, feito pelo Professor de Partos”. O professor de tal curso, entretanto, era médico e, portanto, conhecedor das “moléstias de mulheres pejadas, e paridas, e de meninos recém-nascidos”, bem como do uso dos instrumentos obstétricos conhecidos, como afastadores, fórceps, curetor, espéculo vaginal, tesoura, pinças, tesouras, ganchos e perfuradores, cadeira obstetrícia e, depois, mesa de parto, argolas, correias, entre outros.

Em relação a tais instrumentos, embora alguns já fossem utilizados por médicos desde o século XVIII, começaram, de forma geral, a ser usados pelas parteiras como resultado de sua formação acadêmica. Práticas como a de deixar a mulher acocorada ou mesmo em pé para facilitar a saída, de utilizar compressas quentes e ervas ou de rezar ao esperar a criança nascer foram, aos poucos, sendo consideradas insuficientes em casos que levavam ambas, mãe e criança, à morte. Casos como bebê em posição incorreta, feto enlaçado pelo intestino, deslocamento de útero, períneo sem abertura, dentre outros problemas das parturientes, exigiam, cada vez mais, uma formação específica, assim como o uso de instrumentos que auxiliassem na condução do partejar.

Como parte do processo de modernização das práticas medicas no século XIX, foram criados o microscópio acromático, o estetoscópio, o bisturi, o tensiômetro e o termômetro de mercúrio. Esses instrumentos foram e são essenciais à medicina, seja ela diagnóstica, intervencionista ou mesmo preventiva, esta última concebida de forma mais incisiva no século XX. Entretanto, o fórceps foi o instrumento médico mais importante utilizado nos partos, pois quem detinha a técnica de sua manipulação também detinha o poder médico. A partir dele, as divergências entre os defensores da natureza e os intervencionistas ficaram mais evidentes com ganho de causa para os intervencionistas. Isso porque, embora seu uso tenha causado muitas dilacerações e mortes, tal instrumento garantia maior êxito nos partos considerados difíceis. Inventado no século XIX, na Inglaterra, adaptado na França e aperfeiçoado na Alemanha, o fórceps atravessou os séculos e só perdeu força com a institucionalização da cesariana que, por sua vez, também exigia um arsenal de instrumentos médicos para além de anestesia.

Referências bibliográficas

BRENES, A. C. História da parturição no Brasil, século XIX. Cad. Saúde Pública , v. 7, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 1991.

MARTINS, A. P. V. A ciência obstétrica. In: MARTINS, A. P. V. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. p. 63-106. Ebook.

ROHDEN, F. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. Ebook.