Lapiseira: substantivo feminino que nomeia um pequeno e portátil instrumento de corpo cilíndrico, que pode ser construído de metais, plásticos, ou de outros materiais para facilitar a comunicação escrita ou o desenho. De engenharia instintiva, ela segue a lógica de ser um objeto para escrita automático (como em tradução livre direta do inglês automatic pencil), recarregável e porque não, durável.
Imagem 01: Propaganda sobre grafite da empresa Faber-Castell
Fonte: Faber-Castell, 2022.
Ao contrário de seu predecessor e parente próximo, o lápis, o corpo da lapiseira não se gasta durante seu uso. A extremidade usada como ponta para marcar o papel, sim: feita inicialmente de grafite (ou chumbo negro e plumbagina), um mineral da mesma família do diamante, pode ser encontrado hoje na forma natural ou sintética, e o Brasil é o terceiro maior produtor mundial em grafite natural.
A primeira evidência da existência de uma lapiseira remonta aos destroços encontrados em 1977 do navio HMS Pandora, navio da Marinha Inglesa que naufragou em 1791. Apenas a partir de 1822, contudo, foram patenteadas por Sampson Mordan e Isaac John Hawkins na Grã-Bretanha as lapiseiras que serviam como invólucros de grafite, sem ainda os mecanismos de torção – que surgem em 1895 – que empurram o grafite em direção à ponta e apresentam a característica de lápis contínuo.
No século XIX, as lapiseiras eram frequentemente vistas como um objeto de status social, uma vez que eram correntes o banho de ouro, de prata e o cravejamento de pedras preciosas e semipreciosas. Poderiam ser usadas como item de adereço, penduradas por delicados fios e cordas às pulseiras de relógios e braceletes, próximas às mãos atentas para uma anotação rápida.
Imagem 02: Anúncio de venda de lapiseira – fragmento
Fonte: Diário de Manáos, ano 1892, edição 252, p. 4
Também temos registros¹ desses objetos sendo ofertados como presentes, prendas e formas de agradecimento a pessoas admiradas. Além disso, era comum, em caso de perda ou furto, registrar a ocorrência e procurar recuperar o item, seja por idas às delegacias de polícia ou por anúncios em jornais.
Imagem 03: Gatuno apreendido por furto de lapiseira e caneta – fragmento
Fonte: Gazeta de Notícias, ano 1890, edição 023, p. 2.
Nessas circunstâncias, pelo valor da recompensa oferecida, podemos presumir que o item não passava pelas mãos da classe trabalhadora com frequência. Em vista disso, tencionamos que o uso da lapiseira não abarcou, nesse período, as “escritas populares” no sentido proposto por Gómez (2020, p.83), uma vez que a utilização e a propriedade do objeto teriam ficado recolhidas àqueles que pudessem dispor de meios monetários para adquirir o item.
Para o autor, os escreventes populares são aqueles que compõem uma classe social médio-baixa, como carpinteiros, pequenos negociantes, trabalhadores, pedreiros etc., ou seja, pessoas comuns que compartilham de uma posição subalterna e pouco escolarizada.
Imagem 04: Busca por lapiseira perdida – fragmento
Fonte: O Paiz (RJ), ano 1892, edição 3605, p. 4.
E se era seleto o número de homens que utilizavam a lapiseira em seu cotidiano, menor deveria ser o número de mulheres que as possuíram e as manuseavam com destreza. Não cabe aqui toda a discussão que se faz necessária sobre a temática, apenas indicar que a questão tem sido levantada sobre diversas óticas em estudos de gênero, de história, de paleografia, de educação etc. e atentar para a necessidade de pesquisas constantes sobre o papel da mulher nas escritas deixadas por estas lapiseiras que, afinal, é um substantivo feminino por natureza.
¹ Busca realizada no banco de dados da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional com o termo “lapiseira”, entre os anos de 1890 e 1899.
A HISTÓRIA DA LAPISEIRA.Lapiseira Pentel, 2022. Disponível em: https://www.lapiseirapentel.com.br/a-historia-da-lapiseira/. Acesso em: 22 de março de 2022.
DIARIO DE MANÁOS: PROPRIEDADE DE UMA ASSOCIAÇÃO (AM) - 1890 A 1894. Biblioteca Nacional Digital,2022. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=716642&pesq=lapiseira&pasta=ano%20189&hf=memoria.bn.br&pagfis=1672. Acesso em: 22 de março de 2022.
FATOS INTERESSANTES. Faber-Castell ,2022. Disponível em: https://www.faber-castell.com.br/corporate/curiosidades/fatos-interessantes. Acesso em: 23 de março de 2022.
GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ) – 1890 A 1899. Biblioteca Nacional Digital, 2022. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_03&pesq=lapiseira&pasta=ano%20189&hf=memoria.bn.br&pagfis=106. Acesso em: 22 de março de 2022.
GÓMEZ, Antônio Castillo. Grafias no cotidiano: escrita e sociedade na história (séculos XVI a XX). Rio de Janeiro: Eduerj; Niterói: Eduff, 2020.
GRAPHITE (NATURAL). U.S. Geological Survey, Mineral Commodity Summaries, January 2021. Disponível em: https://pubs.usgs.gov/periodicals/mcs2021/mcs2021-graphite.pdf. Acesso em: 22 de março de 2022.