Os primeiros registros de eventos como os piqueniques são datados na sociedade francesa do século XVIII, quando as refeições ao ar livre eram comuns em dias de caçada, como uma forma de celebrá-la (BENAYON, 2017). Foi no entanto na Inglaterra Vitoriana (1837-1901) que a atividade se popularizou, ocupando um lugar relevante nos hábitos dos círculos sociais da época, com a finalidade principal de estreitar relações sociais. Conforme Júlia Benayon (2015), a difusão da prática dos piqueniques, no contexto do século XIX, foi influenciada pela idealização da natureza expressa no Movimento Romântico. Ao longo do oitocentos os piqueniques tornaram-se uma alternativa para o lazer.
Representados em romances de autoras como Jane Austen e Louisa May Alcott, bem como em pinturas de artistas oitocentistas ― a exemplo de Holyday (or the Picnic), de James Tissot (1876); Almoço na Relva, de Édouard Monet (1863); e Picnic Supper on the Sand Dunes, de Charles Courtneu Curran (1890) ―, os piqueniques foram retratados enquanto um momento de fuga do cotidiano, onde buscava-se por diversão e uma experiência de contemplação da natureza, ocorrendo na maioria das vezes no interior, sendo comum excursões ou viagens para o local onde este seria realizado, como descrito numa das cenas do romance Emma, de Jane Austen, onde a personagem narra a frustação das expectativas sobre o evento: “Dez quilômetros foram vencidos na expectativa de encontrarem diversão, e todos tiveram um arrebatamento de entusiasmo logo à chegada; mas, no decorrer do dia, algumas deficiências surgiram” (AUSTEN, 2011, p. 374-375). Conforme nos informa Hubbel (2006, p. 44):
[...] fazer piquenique é a busca prazerosa de um povo ocioso, então a dificuldade de mover a festa tem alguma recompensa. A recompensa é, principalmente, ideológica: permite ao participante compartilhar uma forma de comer que cria relações entre pequenos grupos de pessoas, marcos naturais e ideais culturais.
No Brasil, temos o exemplo da criação dos Parques Campestres criados em Pelotas no final da década de 1870, que favoreceram atividades de lazer, como os passeios e os piqueniques, configurando redes de sociabilidade, conforme tratam Dalilla Müller e Dalila Rosa Hallal (2013). Os piqueniques eram organizados por um grupo ou por uma família que iria se responsabilizar pelo transporte dos alimentos. As cestas de piquenique eram assim, uma das principais peças do evento. As mais comuns eram feitas de vime, de forma artesanal. Posteriormente, foram fabricadas com material mais resistente, a exemplo das malas de couro para piquenique, para facilitar o transporte nos carros. Além dos alimentos a serem consumidos, as cestas e/ou malas continham os utensílios necessários para a refeição, tais como talheres, copos, pratos, xícaras e outros para armazenamento de bebidas.
As mulheres estão sempre presentes nas representações artísticas ou literárias do piquenique. Tal aspecto nos permite refletir sobre o deslocamento das mulheres no contexto social do século XIX ― quando havia constantemente a tentativa de limitar o acesso das mulheres a determinados espaços ― tornando os piqueniques uma das ocasiões em que elas puderam, ao mesmo tempo, divertirem-se e expressarem-se. Via de regra, era do público feminino a função de estar à frente dessa atividade, escolhendo os convidados e organizando o evento, que na época esteve revestido de intenções sobre as interações dos grupos convidados, seja de negócios ou futuros casamentos entre famílias. Como trata Michelle Perrot (2005, p. 278): “[...] as mulheres souberam apossar-se dos espaços que lhes eram deixados ou confiados, para desenvolver sua influência junto às portas do poder”; desse modo, os espaços ocupados por elas poderiam lhes fornecer instrumentos de poder na medida em que podiam articular intenções, ideias e estar incluída em debates. Assim como lhes conferiam certa liberdade, na medida em que estavam distantes do controle doméstico.
O piquenique continua a ser realizado nos tempos contemporâneos como uma prática voltada ao lazer, descanso e desvio da rotina. Inclusive, alguns clubes literários vêm promovendo piqueniques temáticos com o intuito de reproduzirem os costumes vitorianos. São feitos, principalmente, em parques públicos, praias, no campo, geralmente em feriados, mantendo viva a intenção de compartilhar um momento agradável entre a família ou amigos, bem como de ter uma experiência social que desacelere um pouco o ritmo das atividades diárias.
AUSTEN, Jane. Emma. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.
BENAYON, Julia da Silva. Piqueniques à venda: da poética ao fetiche. In: XVII ENANPUR Desenvolvimento, crise e resistência: quais os caminhos do planejamento urbano e regional?. Anais [...]. São Paulo, 2017. p. 1-20. Disponível em: https://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/1580. Acesso em: 31 mar. 2022.
Os Parques Públicos Urbanos na Contemporaneidade: a compressão do tempo de lazer e o reflorescimento de práticas de resistência ─ reflexões sobre as atividades de piqueniques na cidade do Rio de Janeiro. In: XVI ENANPUR Espaço, Planejamento e Insurgências: Alternativas Contemporâneas para o Desenvolvimento Urbano e Regional. Anais [...], Belo Horizonte, 2015, p. 2015. Disponível em: https://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/2207/2186. Acesso em: 31 mar. 2022.
HUBBELL, Andrew. How Wordsworth Invented Picnicking and Saved British Culture. Romanticism, v. 12, n. 1, apr., 2006, p. 44-51. Disponível em: https://doi.org/10.1353/rom.2006.0003. Acesso em: 31 mar. 2022.
MÜLLER, Dalilla; HALLAL, Dalila Rosa. Passeios e viagens em busca da natureza: novas sociabilidades da elite pelotense no século XIX. In: XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo social. Anais [...], Natal, 2013, p. 1-12. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548874923_4dff78998604095f9abe57ffe622c27d.pdf. Acesso em: 31 mar. 2022.
PERROT, Michele. Sair. In_____. As mulheres ou os silêncios da história. São Paulo, EDUSC, 2005.