A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Porta Objetos Litúrgicos

Dante Batista Silva

Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ

Programa de Pós-Graduação em Educação/ProPEd

Neste verbete, destacou-se especialmente, a caixa de madeira tipo marfim, na cor verde. Ao pesquisar o acervo histórico do século XIX no Museu de Arte Sacra de São Paulo, tal fato mobilizou as seguintes indagações: 1) Qual a razão da caixa ser verde?; 2) Por que a madeira era do tipo marfim? e 3) Quais os objetos litúrgicos poderiam ser acomodados nesse tipo de caixa? Em resposta aos questionamentos, foi possível constatar que, muitos objetos constam no acervo do século, como imagens, crucifixos, sacrário e outras peças religiosas, em marfim com a presença da cor verde.

Trata-se de uma pequena caixa do Século XIX, medindo 11,5cm x 13,5cm X 15,5cm (porta), confeccionada em madeira tipo marfim, de cor verde, contém a sigla 'INRI' (Jesus Nazareno Rei dos Judeus), entalhada numa pequena placa de osso. O interior e o exterior da caixa são revestidos em couro craquelê verde; a fechadura impossibilita o acesso sem uma chave.

Calvo (2010, p. 62) pontua que, devido às necessidades de armazenamento de objetos como roupas, comidas, joias, os móveis foram surgindo e se transformando a partir da utilização de arcas e caixas. O termo caixa, até o século XIX, foi encontrado em diversos documentos localizados em diversas coleções particulares, como as coleções dos museus.

O desenvolvimento da caixa de madeira possibilitou a confecção de cômodas, para as sacristias nas igrejas, uma vez que, nas cômodas ou caixões, as gavetas eram usadas para o armazenamento das vestes litúrgicas. Até hoje, pode-se encontrar caixas ou arcas dos modelos antigos nas igrejas, em algumas colônias antigas e pequenos povoados. (CALVO, 2010, p. 66).

Calvo (2011, p. 105) argumenta que, as modificações ocorreram em virtude das necessidades de trabalho, estudo e das celebrações religiosas, por isso, os móveis eram confeccionados de acordo com a sua utilidade, por isso, alguns eram criados para o descanso do corpo, outros para depósito de objetos valiosos, destacando-se que estão presentes materiais de madeira, ferro, marfim, ouro, decorados com desenhos entalhados na madeira ou incrustados com pedras preciosas.

Para Calvo (2011, p. 129), a caixa estará 'presente em todos os outros tipos de formatações de móveis de guardar, de acordo com as suas novas utilidades e atribuições, a configuração é sempre de uma caixa de onde partem outros formatos e decorações que se transformam em um novo móvel...'. (CALVO, 2011, p. 129).

A presença da cor verde significa, a expectativa de uma vida eterna, que segundo Silva (2019, p. 108 e 109), simboliza a confiança do fiel no Cristo Ressuscitado, ou seja, tem a ver com um tempo de renovação espiritual. O autor comenta ainda que, a cor verde está presente após as missas de domingo do tempo comum. Vale (2016, p. 120) a respeito da cor verde, considera que esta retrata aquilo que está sendo 'usado nos ofícios e nas missas durante o tempo comum'.

Sobre a cor verde e o tempo comum, Calvo (2011, p. 304) considera que, se trata de destacar que o verde 'É a cor que simboliza a esperança da vida. É usado nas missas do tempo comum após a Epifania do Senhor e Pentecostes, seu uso ocupa o maior espaço de tempo no ano litúrgico: 34 semanas (o ano litúrgico compreende 54 semanas)'.

Na fabricação das caixas e posteriormente dos móveis, Flexor (2009, p. 67) relata a exploração das florestas brasileiras, em especial, da Mata Atlântica, de Ilhéus e Cairu, utilizadas para obras da corte. Grande parte do fornecimento de madeiras, para o mobiliário baiano até o século XIX, eram extraídos de Ilhéus. Até 1780, a madeira jacarandá era utilizada na fabricação de móveis. A autora referencia o Juiz Baltazar da Silva Lisboa, que catalogou as espécies existentes, chamando a atenção para a madeira jacarandá, utilizada para as obras de decoração. Flexor (2009, p. 69) descreve a Pequiá-marfim, como uma madeira preciosa, de boa qualidade para elementos decorativos.

Acerca do movimento litúrgico, para Baptista (2015, p.61), os 'princípios fundamentais do movimento litúrgico, o retorno às fontes e a renovação do sentido de mistério, ou seja, a revelação de Deus à humanidade por meio de ações teândricas. Como consequência, a liturgia abandona o caráter de simples espetáculo'.

Ao abandonar o caráter de espetáculo, a liturgia 'passa a ser encarada, ao contrário, como a representação do único acontecimento salvador, a morte de Cristo, atualizada pelos sacramentos, a fim de que os fiéis possam beneficiar-se por sua aplicação a seus efeitos, daí a preeminência da Eucaristia e do altar'. A liturgia marcou presença como devoção, na celebração e na exposição da arte sagrada (BAPTISTA apud PALZOLA, 2015, p.15 e 35).

A arte sacra é definida por Romano Guardini (1960 p. 15/35): 'como um prolongamento do Mistério da Encarnação, na descida do divino no humano. A arte tem valor sacramental e é simbólica, isto é, sinal de união. A arte de culto indica a presença, é a imagem do invisível, leva à contemplação'.

A finalidade da caixa, segundo Aldazábal (In, Vale, 2016, p. 150), era garantir a guarda da Eucaristia, e o 'SACRÁRIO: Ou «tabernáculo» é o pequeno recinto, à semelhança de caixa ou armário, onde se guarda a Eucaristia depois da celebração, para que possa ser levada aos doentes ou dela possam comungar, fora da Missa, os que não puderam participar nela'. Significa que, 'A palavra «sacrário» indica que é o lugar onde se «guarda o sagrado». Tabernaculum, em latim, significa «tenda de campanha»: daí a Festa judaica dos Tabernáculos ou das Tendas de Israel e, sobretudo, a «tenda do encontro» que era o seu ponto de referência, ao longo da travessia do deserto'. Por isso, diz-se que 'a verdadeira «tenda» é o próprio Cristo (cf. Heb 9,11.24), o Verbo que se fez carne e montou a sua tenda entre nós (cf. Jo 1,14) (...)'.

Piacenza (2005) retrata a utilização por fiéis, dessas caixas penduradas no pescoço com a eucaristia, até o século IV, prática que foi proibida pela igreja. A eucaristia é, 'um ato simbólico promovido para lembrar o sacrifício de Cristo, um memorial que perdura até os dias atuais, como ponto central da fé cristã'. (CALVO, 2011, p. 50).

Em suma, a caixa verde de marfim, do século XIX, representa a renovação da vida, simbolizada na cor verde. A boa qualidade da madeira significa que, se trata de uma preciosidade do marfim, considerando sua durabilidade e a possibilidade de armazenar algo valoroso, a eucaristia. A caixa facilitava a locomoção de um lugar para outro, entendendo-se que além de ser um objeto utilizado nas missas para conservação do sagrado, era transportada para a realização de missas aos doentes impossibilitados de se locomover até o local sagrado para atender uma pessoa acamada e conceder-lhes a extrema-unção, como também contar com a possibilidade de servir aos fiéis, as hóstias na missa campal ou em tempos de guerra.

Referências bibliográficas

BAPTISTA, Anna Paola. A economia de imagens – Arte sacra católica depois do Vaticano II. Acesso em 21.03.2022. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.18316/1981-7207.15.9>.

CALVO, André Luiz Barbosa. O Mobiliário de Guardar na Bahia. 19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas “Entre Territórios” – 20 a 25/09/2010 – Cachoeira – Bahia – Brasil. Acesso em 18.08.2022. Disponível em: <http://docplayer.com.br/4495917-O-mobiliario-de-guardar-na-bahia-i.html>

______. André Luiz Barbosa. Os Arcazes das Sacristias das Igrejas de Salvador, Bahia: Igreja do Colégio dos Jesuítas (atual Catedral Basílica), Igreja dos Carmelitas Descalços de Santa Teresa de Avelã, Igreja do Convento de São Francisco, Igreja do Convento de Nossa Senhora do Carmo e da Basílica Arquiabacial do Mosteiro de São Bento / André Luiz Barbosa Calvo. 2011.

FLEXOR, Maria Helena Ochi. Mobiliário baiano. Brasília, DF: Iphan / Programa Monumenta, 2009.

GUARDINI, Romano. Imagen del culto e imagen de devocion. Sobre la essência de la obra de arte, Guardarrama, Madri, 1960.

MILANI, Eliva de Menezes. Arquitetura, luz e liturgia: um estudo da iluminação nas igrejas católicas. 2006. Rio de Janeiro: Dissertação (Mestrado em Ciências em Arquitetura) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

PIACENZA, Mauro. O receptáculo da Eucaristia. In: Revista 30 Dias. Junho de 2005. Disponível em: <http://www.30giorni.it/articoli_id_9093_l6.htm?id=9093>.Acesso em 23.03.2022.

SILVA, Richard Gomes da. A iconografia da arte sacra de Cláudio Pastro na Basílica Nacional de Aparecida. Dissertação de mestrado - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto Artes, 2019.

VALE, Renilda Santos do. Memória da fé: a coleção de paramentos litúrgicos do Museu do Traje e do Têxtil da Fundação Instituto Feminino da Bahia, 2016. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador.