A importação de porcelanas produzidas na França no século XIX introduziu um padrão francês nos usos e gostos da elite brasileira, que o adotou como parte de seu modo de vida e de classe social. Foi neste sentido que importou, sobretudo da França, todo um aparato material para suas residências, sejam urbanas ou rurais (BARBUY, 2019). Soma-se a isso, as transformações no espaço doméstico decorrentes da crescente urbanização e separação entre local de trabalho e moradia, que demarcaram o público e o privado. O arranjo da casa é incrementado por meio da decoração. Os cômodos se especializam, ganham móveis fixos e se enchem de objetos associados ao morador e ao seu gosto pessoal (CARVALHO, 2003). Outro elemento importante foi o conjunto de medidas sanitárias e o incentivo a certas práticas de higiene como forma de combater as diversas doenças contagiosas, que refletiu no design dos objetos, sendo privilegiado o uso de materiais como porcelana também em banheiras, urinóis e latrinas, em substituição às cadeiras retretes em madeira (PAULILLO, 2017). Assim, uma estética francesa se introduz nesses meios em que a origem dos objetos representa por si só uma garantia do bom gosto. Importar da França numerosos objetos de luxo, caros e refinados, era então moda e uma necessidade social das classes altas (BARBUY, 2019).
Em uma escala de valor, as louças mais caras descritas nos inventários post mortem eram as de porcelana, pois sua pasta possuía elevado custo, diferente das demais peças em que a técnica decorativa era determinante para a atribuição de valor. Desse modo, as porcelanas eram utilizadas em raras ocasiões, como em um jantar, baile ou chá para convidados especiais (SOARES, 2011). A porcelana francesa tinha, apesar de todas as dificuldades comerciais, em relação aos concorrentes ingleses e alemães, uma importância econômica, pois seu valor mais forte era o simbólico. A ideia de refinamento, na França, associava-se claramente à perfeição do processo artesanal, sendo os objetos produzidos por meio de técnicas sempre elaboradas dos materiais empregados e imbuídos de uma concepção estética. Sua estética, qualidade e origem desempenhavam um papel de destaque no aparato das elites brasileiras no século XIX (BARBUY, 2019).
De acordo com Paulillo (2017, p.312), o urinol, “vaso sanitário portátil usado para urinar e defecar”, também conhecido como “mijadeiro, penico, vaso ou vaso noturno”, é encontrado em anúncios de leilões listado junto aos móveis dos quartos, indicando seu uso neste cômodo. O urinol de porcelana, por sua vez, era atrelado à higiene e limpeza, principalmente no início do século XX, quando no Brasil se propaga o discurso higienista. Ainda assim, Schettino (2012) relata que era usual a sobreposição de funções de utensílios e cômodos da casa. Por ser facilmente transportável, o urinol indica certa maleabilidade de lugar e/ou o compartilhamento. Tal característica levou, muitas vezes ao seu uso inadequado, como observado pelos viajantes que visitaram a região do Serro/MG, nos oitocentos, onde, apesar da elegância dos serviços, serviam sopa no urinol de louça e colocavam uma quantidade de pratos dispostos na mesa sem uma função aparente (SENA, 2007).
Ainda hoje, o urinol feminino, por seu formato oval e suas alças, é facilmente confundido com a peça de mesa fabricada por Hache, Jullien & Cie, identificada como “molheira” nos leilões da atualidade, diferenciando-se do urinol por acompanhar um prato oval com a mesma decoração. Esta fábrica francesa, fundada em Vierzon, em 1845, por Petry e conduzida por seu filho Adolphe Hache e seu genro Léon Pépin-Lehalleur, contava com quase mil trabalhadores, no final do século, e era concorrente de Pillivuyt, Limoges e Sèvres, funcionando até o ano de 1934 (LETOUNEAU, 1995). O monograma que acompanha esta peça também indica que ela recebeu medalha de ouro na terceira Feira Mundial de Paris ou Exposition Universelle, realizada entre maio e novembro de 1878, a qual foi descrita por Ortigão (2018).
BARBUY, Heloísa. Um sistema comercial-cultural de importação de porcelanas de mesa francesas no Brasil do século XIX. Varia Historia. Belo Horizonte, vol. 35, n. 67, p. 275- 309, jan/abr 2019.
CARVALHO, Vânia Carneiro de. Gênero e cultura material: uma introdução bibliográfica. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. v.8-9, n.1, p. 293-324, 2003.
LETOUNEAU, Henri. L'industrie de la porcelaine en Berry et régions voisines. Essai de géographie historique. Norois. n. 167 , 1995, p. 535-548.
ORTIGÃO, Ramalho. Paris Exposição Universal. Feitoria dos livros. 2018.
PAULILLO, Clarissa de Almeida. Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro na moradia paulistana (1893-1929). Dissertação. Mestrado em Design e Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2017.
SCHETTINO, Patrícia Tomé. A mulher e a casa: estudo sobre a relação entre as transformações da arquitetura residencial e a evolução do papel feminino na sociedade carioca no final do século XIX e início do XX. Tese. Escola de Arquitetura. UFMG, 2012.
SENA, Tatiana da Costa. O consumo de louças estrangeiras e produção artesanal de louça vidrada em Vila Rica (1808-1822). Monografia. Departamento de História. UFOP, 2007.
SOARES, Fernanda Codevilla. Vida material de Desterro no século XIX: as louças do palácio do governo de Santa Catarina, Brasil. Tese. Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro. Vila Real, 2011.
UNITED STATES. Comission to the Paris Exposition (1889). Reports of the United States Commissioners to the Universal Exposition of Paris. p.302-303. Disponível em: <Reports of the United States Commissioners to the Universal Exposition of ... - Google Livros>. Acesso em: 21 fev.2022.