A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Cartas de Luto

Vinicius Monção

Universidade Federal Fluminense

Faculdade de Educação

Os ritos funerários podem ser entendidos como demonstração das relações afetivas entre os humanos. Eles são perceptíveis na trajetória de constituição das diferentes culturas, tanto no estabelecimento de fronteiras que separam a vida da morte, como formas de atravessá-las e como mecanismo de ritualizá-los.

Dentre os diversos e inumeráveis objetos da cultura material funerária e de manifestação de afetos entre humanos, as cartas de luto estão inseridas neste universo. Dentre suas funções, elas se referem a uma prática do registro escrito destinado a comunicar a passagem do sujeito para outro plano material, ou prestar-lhes homenagens que nunca serão lidas pelo próprio.

As cartas de luto, enquanto objetos da materialidade funerária praticada nos centros urbanos entre os séculos XIX e XX, são identificadas pelas margens pretas que emolduravam as missivas e os envelopes. Destinadas aos amigos e familiares do finado, eram entregues por mensageiros contratados ou então pelo serviço de carteiros.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, no início do século XX, a seção tipográfica da escola profissional do Liceu do Sagrado Coração produzia este tipo de artefato juntamente com outros objetos gráficos como bilhetes comerciais, cartões de visita, faturas, livros e outros tipos de impressos. ¹

Como ilustração de usos e circulação deste objeto, em 1907, uma carta de luto foi enviada à redação do jornal Correio Paulistano, destinado à Maria da Conceição Dias, cujo conteúdo tratava informar sobre a existência de uma herança importante em benefício dessa senhora. ² Já na cidade do Rio de Janeiro, o jornal O Século, em matéria sobre o falecimento de uma mulher, relatou que a mesma havia deixado quatro cartas, cada qual destinada ao pai, irmã e amigos próximos, na qual se despedia das pessoas com quem mantinha uma relação afetiva mais próxima. ³ Na mesma cidade, em um domingo pós-carnaval de 1940, alguém lamentava no jornal Correio da Manhã o falecimento de um amigo de infância com quem havia compartilhado dos bancos escolares.⁴

As cartas, enquanto elementos da cultura escrita, atravessavam as práticas cotidianas de sujeitos letrados e não letrados. Da mesma forma que traziam notícias sobre outras experiências, nascimentos, casamentos ou mesmo dos traumas de guerra. Elas materializavam a dor da perda ou a alegria da vida. Especificamente, aquelas de luto serviam como anúncio post-mortem, que eram enviadas aos parentes e amigos para as celebrações de encomenda da alma daquele que partiu, e por onde se prestavam homenagens ou funcionavam como convite para as exéquias.

Notas de rodapé

¹ O Commercio de São Paulo, 7/10/1902, n. 3080, p. 4

² Correio Paulistano, 23/7/1907, n. 15782, p. 5. ³ O Século, 10/03/1908, n. 471, p. 1 ⁴ Correio da Manhã, 21/02/1904, n. 983, p. 2

Referências bibliográficas

O COMMERCIO DE SÃO PAULO, São Paulo: tipografia própria, período 1893-1909. (Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional). Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/227900/0. Acesso em: 02 de março de 2022

CORREIO PAULISTANO, São Paulo: tipografia própria, período 1900-1919. (Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional). Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/090972_06/0. Acesso em: 02 de março de 2022

CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro: tipografia própria, período 1901-1909. (Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional). Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_01/1. Acesso em: 02 de março de 2022.

O SÉCULO, Rio de Janeiro: tipografia própria, período 1906-1916. (Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional). Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/224782/1. Acesso em: 02 de março de 2022.