Cata – migalhas, apanha – migalhas e apanhador de migalhas, são alguns dos nomes comumente associados ao artefato em questão. Ao mesmo tempo que se difere, o objeto remete, ao modelo de vassoura comumente conhecido que teria sido desenvolvido pelo fazendeiro Levi Dickenson, na região de Hadley em Massachusetts – USA, por volta de 1797 e distribuído comercialmente por volta de 1810 (FUGATE, 2012). De acordo com publicação britânica Harmsworth's Household Encyclopedia (1920) esse objeto era utilizado para limpar a mesa após cada refeição. Por exemplo: nas casas mais abastadas após a família degustar a refeição principal, os serviçais tinham que recolher as migalhas, seja para organizar a mesa para servir uma sobremesa ou para finalizar a limpeza daquele ambiente da casa (HAMMERTON, 1920, p.1133). Tal contexto é descrito no manual de boas de etiqueta, lançado na Inglaterra vitoriana (1837- 1901): Cassell’s Household Guide. No capítulo denominado Os Serviçais da Casa –A Camareira (Servants of the House – V The Parlour-maid) é descrito que antes de servir a sobremesa era necessário que o serviçal limpasse as migalhas da mesa utilizando uma pequena bandeira (pá) e uma escova curvada ou dispositivo similar (KEYL et.al., p.268)
O apanhador de migalhas se configura como um conjunto formado por uma escova, no formato curvo ou reto, e uma pequena pá. Podia ser feito a partir de diferentes materiais como prata, marfim, madeira etc. (HAMMERTON, 1920, p. 1133). Essas informações ajudam a identificar que o cata-migalhas, para além da questão de higiene e boas maneiras, também trazia indicativos sobre a classe social das famílias nos Oitocentos.
O hábito de utilizar o cata-migalhas também se fez presente no Brasil. O impresso A Estação: Jornal Ilustrado para a Família, edição de 31 de julho de 1885, trouxe em suas páginas uma lista denominada Artigos diversos de toilette e adornos de casa. Os itens 17 e 20 foram descritos como: “Escova e aparador de migalhas de mesa” (p.64). Outra edição de mesmo jornal, de 15 de janeiro de 1898, estampou no exemplar uma lista de 27 itens que deveriam estar inseridos no cotidiano feminino, fossem vestimentas ou acessórios. Os itens 15 e 16 descreviam um exemplar de Escôva e pá para aparar as migalhas:
é de setim americano de uma cor natural pardo claro, a pá é envernizada com brunoleina. O ornamento compõe-se de uma cercadura de 2 cent., de palmasinhas, linhas de ornamento e um meio florão repetindo os mesmos motivos. O cabo chato é de bronze, aparafusado no avesso da pá. A escova é ornada com uma cercadura adequada (p 3).
Uma vez que temos o cata-migalhas, ilustrado e apresentado em um impresso francês traduzido para o português, torna-se possível compreender que o artefato seria uma novidade nas casas das famílias brasileiras. O jornal teria o papel de propagar o que havia de moderno no cotidiano francês e, em breve seriam consumidas nas cidades brasileiras.
Acerca de A Estação: Jornal Ilustrado para a Família é preciso apontar que essa era uma publicação originalmente francesa e que passou a ser traduzida e vendida, quinzenalmente no Brasil, entre 1879 e 1904. Como o próprio título do jornal sugere, seu conteúdo era voltado às famílias, principalmente às mulheres, tinha como referência os costumes e hábitos franceses; o que incluía moda e trabalhos em bordados, com moldes para serem reproduzidos, além artigos do lar que deveriam ser incorporados ao cotidiano feminino, principalmente das elites, ao longo do século XIX (BLANCK, 2021; LIMA, 2012). Para Blanck (2021) publicações como A Estação adaptaram seus conteúdos ao comportamento das mulheres ao longo do século XIX. Nesse contexto, percebe-se a preocupação detalhada do aparador de migalhas, dando aos aspectos refinados do cetim, do bronze e dos ornamentos adequados.
Como observa Lima (1995, p.129), escavações conduzidas em sítios arqueológicos, com destaque para achados do século XIX, tem encontrado uma quantidade de artefatos relacionados à cultura material doméstica, mais precisamente da mesa. O cata-migalhas não caiu de desuso, apenas ganhou várias versões ao longo das décadas, seja em formato mais popular totalmente de plástico como também em versões modernas que utilizam a eletricidade e em formatos mais compactos.
A ESTAÇÃO: JORNAL ILLUSTRADO PARA FAMILIAS. Rio de Janeiro, ano XIX, n.7, 31 de julho de 1885. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/709816/per709816_1885_00007.pdf . Acesso em: 27.mar.2022.
A ESTAÇÃO: JORNAL ILLUSTRADO PARA FAMILIAS. Rio de Janeiro, ano XXVII, n.1, 15 de janeiro de 1898. Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/709816/per709816_1898_00001.pdf . Acesso em: 27.mar.2022.
BlANCK, Franciela Ritter. A moda e a história: o vestuário feminino no periódico “A Estação: Jornal ilustrado para a família (1879-1904). In: Simpósio Nacional de História, 31º, Rio de Janeiro, Anais... Rio de Janeiro, 2021.p.1-17. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1628564351_ARQUIVO_4b69f0465c8074bf0bbc8e30bba4c787.pdf . Acesso em: 28.mar.2022.
FUGATE, Tally D. Broom Factories. . In: Encyclopedia of Oklahoma History e Culture. ago.2012. Retrieved August 13, 2012. Disponível em:https://www.okhistory.org/publications/enc/entry.php?entry=BR024 . Acesso em: 29.mar.2022.
HAMMERTON, John Alexander (Sir.) (Edit.). Harmsworth's Household Encyclopedia (CLA-FUS). London: Harmsworth Encyclopedias,1920.
KEYL, Friedrich Wilhelm; PRIOR, William Henry; MULREADY, William; PEARSON, George Pearson; WENTWORTH. Cassell’s Household Guide: being a complete encyclopedia of a domestic and social economy and forming a guide to every department of practical life.v.1. London – ENG; New York - USA: Cassel, Peter and Galpin, 1869. Disponível em: https://archive.org/details/cassellshousehol01londuoft/page/ii/mode/2up?ref=ol&view=theater.Acesso em: 28.mar.2022.
LIMA, Natália Dias de Casado. A Belle Époque e seus reflexos no Brasil. In: Semana de História: Golpes e Revoluções,: Golpes e Revoluções, XI, 2017, Vitória-ES, Anais... Vitória-ES, UFES, 2018. p.1-12. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/semanadehistoria/article/view/23114#:~:text=Essas%20influ%C3%AAncias%20francesas%20se%20espalharam,de%20Janeiro%20e%20Brusque%20algumas Acesso em: 28.mar.2021.
LIMA, Tânia Andrade. A. Pratos e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX. Anais do Museu Paulista: história e cultura material. n.3, v.1, p129-191, 1995. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-47141995000100017 . Acesso em: 28.mar.2022.