A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Chatelaine

Luciana Borges Patroclo

Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ

Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/ProPEd

Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

Chatelaine ou châtelaine é palavra derivada do vocábulo francês e se configura no feminino de chatelain ou châtelain. Inicialmente atrelada ao período medieval, remetia à mulher proprietária ou casada com o senhor de castelo ou de vastas terras. Suas vestimentas e acessórios traziam uma fivela de ferro presa à cintura na qual ficavam penduradas as chaves dos cômodos. O adorno também era utilizado pelos homens (GERARD, 2016; HARPLEY, 2020).

Na Inglaterra vitoriana, 1837-1901, o termo foi ressignificado. Em 1839, uma edição da revista feminina inglesa World of Fashion denominou, a fivela presa a cintura na qual mulheres penduravam uma série de objetos vinculados aos afazeres cotidianos, de chatelaine. “Juntaram-se as chaves do castelo outros objetos de uso doméstico como dedais, tesouras, colchetes e bolsas, até leques, relógios, lápis e caderneta de anotação” (HARPLEY, 2020, p.47). Entre os motivos para tal revival era o fato das roupas femininas não terem bolsos suficientes; era mais prático que estivessem pendurados na cintura (HARPLEY, 2020). As chatelaines não eram todas iguais. Os objetos pendurados e a quantidade se diferenciavam, pois estavam atreladas a diversos fatores: idade (de meninas a senhoras), classe social, função no lar, atuação profissional e espaços de circulação. Algumas podiam ter pequenas bolsas, anéis de sinete e medalhões e moedas.

Entre os exemplos notórios estavam as chatelaines das enfermeiras inglesas nos oitocentos. Como a indumentária não possuía bolsos suficientes era necessário manter as mãos livres para facilitar o trato dos pacientes. O adorno utilizado por Florence Nightingale (1820-1910), principal vulto da enfermagem inglesa moderna, tornou-se referência (MCDONALD, 2005). Era comum que as chatelaines das enfermeiras portassem itens como: tesoura, fórceps, abaixador de língua e agulha de cerzir. A presença de itens ligados à costura estava vinculada ao fato de realizarem pequenos reparos nas roupas de cama e nos trajes dos pacientes (ROYAL COLLEGE OF NURSING, 2017, p.10).

Além do caráter utilitário, as chatelaines ganharam status de joias e artefatos de moda (MATTHEWS, 2018). A Rainha Vitória da Inglaterra (1819-1901) adquiriu, em 1850, um exemplar produzido pela Thornhill & Co. A chatelaine de Vossa Majestade possuía objetos de costura, escrita, uma pequena bolsa e amuletos decorativos. A carestia da chatelaine real não estava no aço utilizado como matéria prima, mas no maquinário utilizado para o corte do metal, que o tornava um artefato de alto custo; além de ostentar itens de valor, por exemplo, forrados em veludo e outros feitos de marfim (ROYAL COLLECTION TRUST, 2010). Era comum os jornais trazerem anúncios de joalherias e casas de leilão que ofereciam chatelaines cravejadas de pedras preciosas e ouro como presentes refinados.

O uso da chatelaine também ganhou espaço nas páginas de jornais femininos franceses como La Mode Illustrée, Journal de La Famille. A edição, de 2 de março de 1861, ensinava às leitoras a fazer uma chatelaine, identificada como Nécessaire de Travail, ornada com fitas e objetos como uma tesoura e uma pequena bolsa, (p.74-77). No Brasil, a imprensa feminina oitocentista fazia menção ao desembarque dessa moda no país; processo vinculado a reprodução de ilustrações de publicações francesas e nas vitrines das butiques afrancesadas da Rua do Ouvidor (MONTELEONE, 2019; SILVA, 2019). O impresso A Estação: Jornal Illustrado para Familias descreveu na seção Correio da Moda, de 15 de abril de 1890: “Châtelaine, corrente com bolça – Esta châtelaine antiga e muito rica, é de prata de um modelo inglez. É de grande comodidade para usar-se em caza. A bolsa póde ser de couro ou de veludo. Póde-se pendurar nas diferentes correntes, o lapis, o frasco, o caderno e o relógio” (p.56).

Nas primeiras décadas do século XX, a modernização do vestuário feminino trazidas principalmente, com a inclusão de bolsos, fez com as chatelaines caíssem em desuso.

Referências bibliográficas

A ESTAÇÃO: JORNAL ILLUSTRADO PARA FAMILIAS. Rio de Janeiro, ano XIX, n.7, 15 de abril de 1890. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=709816&pagfis=3234.Acesso em: 21.fev.2022.

GERARD, Jessica. The Chatelaine – Women of the Victorian Landed Classes and the Country House. In: DICKERSON, Vanessa D. (Edit.). Keeping the Victorian House: A Collection of Essays. [e-book]. London: Routledge Library Editions, 2016.

HARPLEY, Jessica Rose. Glittering Baubles: An Examination of Chatelaines in Britain, 1839-1900. The Journal of Dress History v.4, Issue 3, Autumn 2020, p.45-71.Disponível em: https://dresshistorians.org/wp/wp-content/uploads/2020/08/JDH_Autumn2020.pdf. Acesso em: 24.fev.2022.

LA MODE ILLUSTRÉE, JOURNAL DE LA FAMILLE. Paris, ano I, n.10, 2 de março de 1861. p.74-77. Disponível em: encurtador.com.br/iCLOT. Acesso em: 23.fev.2022.MATTHEWS, Mimi. A Victorian Lady's Guide to Fashion and Beauty. Barnsley – Ing: Pen & Sword Books, 2018.

MCDONALD, Lynn (Edit.). Florence Nightingale on Women, Medicine, Midwifery and Prostitution. v.8.Warteloo, Ontario – Can: Wilfrid Laurier University Press, 2005.

MONTELEONE, Joana. Moda e imprensa feminina no oitocentos: conceitos e transformações. In: SILVA, Camila Borges da; __________; DEBOM, Paulo (Org.). A história na moda, a moda na história. São Paulo: Alameda, 2019.p.85-106.

ROYAL COLLECTION TRUST. Chatelaine 1849.In: Exhibition Victoria & Albert: Art & Love. London, 2010. Disponível em: https://www.rct.uk/collection/45005/chatelaine . Acesso em: 22.fev.2022.

ROYAL COLLEGE OF NURSING. The Voice of Nursing. [e-book]. London: RCN Foundation, 2017.

SILVA, Ana Clara Suriani da. O papel da imprensa na inserção do Brasil no sistema da moda parisiense. In: SILVA, Camila Borges da; MONTELEONE, Joana; DEBOM, Paulo (Org.). A história na moda, a moda na história. São Paulo: Alameda, 2019. p.129-152.