A FAPERJ e o Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro apresentam a Exposição

Porta Agulhas

Angélica Borges

Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ

Programa de Pós-Graduação em Educação

E por mais que eu procurasse, nada de descobrir a rosa! Revolvi – mas oh! bem desejo tinha eu de não achar muito depressa! – revolvi os compridos bolsos da saia, e só encontrei entre as dobras do lenço um dedal e um estojo de agulha (CATULLE MENDES, A Época, 24/02/1888, p.2)

O trecho acima, de um autor francês, faz parte de uma história sobre namoricos e “jogos inocentes” entre jovens. O rapaz não encontra a rosa escondida pela moça, mas identifica nos bolsos da saia dois objetos que faziam parte da educação feminina prevista nas escolas para meninas pela Lei Geral de Ensino de 1827: um dedal e um estojo que permitia carregar as agulhas sem se ferir acidentalmente ou de perdê-las. A Lei de 1827 estabeleceu a criação das escolas femininas e os saberes a serem ensinados. Tais saberes podem ser observados por meio da referência à personagem Maria Benedita na obra Quincas Borba, de Machado de Assis: “Nascera na roça e gostava da roça. A roça era perto, Iguaçu. De longe em longe vinha à cidade, passar alguns dias; mas, ao cabo dos dois primeiros, já estava ansiosa por tornar a casa. A educação foi sumária: ler, escrever, doutrina e algumas obras de agulha” (ASSIS, 1891, p.142).

A educação “sumária” recebida por Maria Benedita ilustra o ensino nas escolas públicas para meninas no século XIX tanto em Iguaçu, considerada “roça”, situada no Recôncavo da Guanabara (PEREIRA, 2020), quanto na Corte e nas demais regiões do país (MUNHOZ, 2018). A Lei de 1827 definiu no Artigo 6° que “Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, [...] preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil”. No entanto, o Artigo 12 estabeleceu que “As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica”.

Os trabalhos de agulha igualmente estavam presentes no currículo das escolas normais (após a entrada de mulheres), nos concursos públicos para professoras e nas escolas particulares voltadas para famílias mais abastadas nas quais o currículo era mais diversificado. O ensino de meninas no Colégio Augusto, dirigido por Nísia Floresta Brasileira Augusta, conforme anúncio no Almanak Laemmert, compreendia: “leitura, caligrafia, religião cristã, aritmética, história, geografia, línguas e gramáticas portuguesa, francesa, italiana e inglesa; música, dança, piano, desenho e toda sorte de trabalhos de agulha” (Almanak Laemmert, 1850, p.244).

Nesse sentido, carregar agulhas era algo esperado para meninas desde o início de sua escolarização. Não obstante, algumas experiências escolares desviaram-se da norma. Em 1833, Benedita da Trindade do Lado de Cristo, mestra de primeiras letras de São Paulo investigada por Hilsdorf (1997) e Munhoz (2018) foi inquirida pela Câmara da Cidade de São Paulo sobre a ausência das prendas domésticas nas aulas. A mestra enfatizou o ensino da leitura, escrita e aritmética em detrimento das prendas que já pertenceriam a uma tradição de transmissão no interior dos espaços domésticos, em um momento em que a costura pode ser entendida como trabalho domiciliar e estratégia de sobrevivência (MUNHOZ, 2018, p.125). Um documento localizado por Munhoz também registra que “alguns pais de família [que] mandão suas filhas a escola para aprenderem unicamente as primeiras letras, dando-lhes em casa o ensino das prendas domésticas” requeriam a dispensa das aulas de prendas (p.130).

Observa-se que as meninas não escapariam da aprendizagem das “obras de agulhas”, fosse na escola ou em casa. Portanto, encontrar um estojo de agulhas no bolso da saia de uma moça é um indício de que recebeu ou estava recebendo uma educação esperada para o sexo feminino e que seria aferida pela escola, sociedade e concursos públicos.

Referências bibliográficas

A Época, 24/02/1888. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/798924/188 Almanak Laemmert (RJ), ano 1850. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/3403

ASSIS, Machado. Quincas Borba. Rio de Janeiro: B.' L. Garnier, Livreiro-Editor, 1891.

HILSDORF, Maria Lucia S.. “Mestra Benedita ensina Primeiras Letras em São Paulo.” In: Seminário Docência, Memória e Gênero, 1997. Anais... São Paulo: Plêiade, 1997. p. 95-104.

MUNHOZ, Fabiana G. Invenção do magistério público feminino paulista: Mestra Benedita da Trindade do Lado de Cristo na trama de experiências docentes (1820-1860). 2018. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

PEREIRA, Kimberly A. G. Tecendo letras e mulheres prendadas: a urdidura da escola primária e do magistério feminino em Magé no período do Império (1839-1889). Monografia (Graduação em Pedagogia) – FEBF-UERJ. Duque de Caxias, p. 86. 2020.