Em maio de 1870, o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro estampava em sua terceira página que nos Armarinhos, sito na Rua Sete de Setembro, nº 31, se fazia a venda de brinquedos diversos como piões de madeira sortidos, cordas para saltar, baralhos de cartas, bonecas de pano, caixinhas de brinquedos sortidos e “emboca-bolas (bilboquet), novos, dúzia, 8$, 10$ e 12$000” (JORNAL DO COMÉRCIO, 14/05/1870, p.03). Esse foi um dos primeiros registros relativos ao bilboquê ou emboca-bolas no contexto brasileiro.
As crianças desde muito transformam objetos e elementos disponíveis na natureza em brinquedos e possibilidades para brincar. O próprio corpo e o mundo ao redor são os primeiros passos para a exploração do mundo. Por muito tempo as crianças não foram compreendidas no brincar, mas os brinquedos existem desde a antiguidade, caso de piões e bonecas, por exemplo. O brincar e a ludicidade que o envolve tem uma historicidade que acompanha o processo de humanização e é parte da formação humana. Os sentidos e os materiais empregados, as formas de brincar e de compreender o brincar são marcados cultural, social e historicamente.
O bilboquê ou emboca-bolas é um brinquedo composto de uma bola ou taça perfurada conectada por um cordão a uma alça. O jogo consiste em enfiar a bola na alça com uma mão. Seja como for, a origem do bibloquê permanece obscura. A explicação mais provável seria que a palavra bilboquet vem do francês 'bille'. É provável que tenha surgido na França no final do século XVI. Manson (2001) refere que o bilboquê aparece em 1577, período em que são identificados muitos outros novos brinquedos emergindo, caso também das bolas de sabão. No entanto, Rabelais ao listar os jogos de Gargântua menciona o bilboquê, e a obra foi publicada em 1534, o que pode indicar que anos antes já estava em circulação. Em francês, antigamente, também era conhecido como ‘pique-balle’. Uma versão japonesa do brinquedo seria o ‘kendama’. Também pode ser conhecido como jogo da ‘taça e bola’.
Em Confissões, livro V, Jean-Jacques Rousseau escreveu que carregava no bolso um bilboquê e “ficava jogando todo o tempo para dispensar-me de falar quando nada tinha a dizer”. E afirmava ainda que “se todos fizessem o mesmo, os homens seriam menos maus, seu trato seria mais seguro e, penso, mais agradável. Enfim que os engraçados riam se quiserem, mas sustento que a única moral à altura do século presente é a moral do bilboquê” (ROUSSEAU, 2018, posição 3414). Para evitar o tédio e o enfado jogavam, para além das crianças, também os adultos.
Os modelos de bilboquê são variados e há exemplares bem distintos em relação ao tamanho, materiais empregados na fabricação, custos e estilos, apesar do uso e finalidade serem comuns. Desde séculos são localizados bilboquês fabricados com materiais diversos como madeira, mas também ossos, metais, marfim e outros mais contemporâneos, como o plástico. Com o passar do tempo, localiza-se a combinação do jogo do bilboquê, percebido como atividade de destreza, com a narrativa de histórias, danças ou ainda cantos, complexificando e dificultando o jogo.
No caso do Brasil, a difusão e a comercialização de brinquedos à venda remontam à segunda metade do século XIX, no Rio de Janeiro. Torna-se mais comum a oferta de venda de brinquedos em geral e do bilboquê em particular, ao longo do século XX, em outras regiões do país. Em leilão efetuado em janeiro de 1872, como parte do catálogo posto à venda, no lote 76 estava “1 cestinha, 1 espanador e bilboquet e 1 bandeja” como parte dos objetos de uma Saleta (JORNAL DO COMÉRCIO, 18/01/1872, p. 02). No Natal de 1885, o jornal Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro anunciava em sua página, dentre os vários brinquedos disponíveis na rua da Assembleia, 111, a venda de bilboquês “brinquedo útil para as crianças” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 25/12/1885, p. 6). O bilboquê foi apreciado por séculos, por gerações e culturas distintas, incentivado por ser um brinquedo de destreza e que exigia o desenvolvimento de diversas habilidades.
MANSON, Michel. História do Brinquedo e dos Jogos. Brincar através dos tempos. Lisboa: Editorial Teorema, 2001.
ROUSSEAU, Jean-Jacques (1712 – 1778). As confissões. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018, edição Kindle.
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, propriedade de Araújo e Mendes Ano XI, nº 359, sexta-feira, 25 de dezembro de 1885.
RABELAIS, François. Gargantua e Pantagruele. . Traduzido por Gildo Passini. Roma: ed. Formiggini, 1999.
JORNAL DO COMÉRCIO DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, propriedade de Julio Constancio de Villeneuve. Ano 49, nº 134, sábado, 14 de maio de 1870.
JORNAL DO COMÉRCIO DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, propriedade de Julio Constancio de Villeneuve. Ano 51, nº 18, quinta-feira, 18 de janeiro de 1872.