A sombrinha… ela confere um charme a mais às ruas nos dias cinzentos e volta e meia também dá as caras em dias ensolarados.
Ao caminhar, passear ou pegar atalhos com a sombrinha surgem conversas fugazes, comentários sobre folhas caídas no chão, gatos e cães que povoam as ruas e pássaros que, com sua melodia, alegram os dias. No desvio dos caminhos, observam-se os movimentos cotidianos, os braços dados debaixo da mesma sombrinha. São marcas de um tempo que se pereniza nas andanças dos nossos caminhos. Andar por aí, solto, sem destino fixo, pode lembrar a flânerie de Baudelaire, que traz a figura do observador, perambulador. Para Azevedo (2013, p. 140), o flâneur circulava sem destino pelas ruas e deixava-se encantar por tudo que as compunha, como se a cidade fosse um filme ou uma exposição de arte que instigasse sua curiosidade e proporcionasse certo êxtase estético. A ação provocada pelo flanar das sombrinhas ao perambular pelas ruas, parques ou outros lugares, permite novas formas de apropriação desses espaços e o engendramento de novas singularidades que, na percepção de Guattari (1992, p. 173), nada mais é do que a “produção do destino da humanidade”. Assim, no flanar pelos diversos espaços vê-se uma poética a partir da qual o olhar transeunte sobre a cidade e seus passantes se constrói, denunciando a pressa, o pragmatismo econômico nas atitudes e a expressão da velhice como marcas de uma sociedade em que a literatura tenta buscar espaço.
Ao buscar entender um pouco o lugar ocupado pelas sombrinhas, supõe-se que elas surgiram na região da Mesopotâmia e, como na região quase não havia chuvas, elas eram usadas por reis e pessoas de posse para se protegerem do sol. Foi a partir do século XVI, com as Grandes Navegações, que as sombrinhas conheceram seus dias de glória na Europa. Feitas em seda e importadas diretamente da Índia pelos portugueses, as sombrinhas se tornaram símbolo de riqueza e prestígio.
No século XVII, a sombrinha e o guarda-chuva se separaram, inclusive com o surgimento de palavras diferentes, no francês e no inglês, para os dois objetos. A grande diferença estava nos materiais utilizados (seda nas sombrinhas e tecidos menos nobres nos guarda-chuvas) e no fato de que os guarda-chuvas eram impermeabilizados com óleos, assim como se fazia na China.
No século XVIII, as estampas e decorações das sombrinhas também ficaram um pouco mais leves. Saem os pesados bordados e as franjas metálicas e entram as sedas estampadas com florais adamascados, típicos das indústrias de seda francesas. Assim, a sombrinha começou a se popularizar como um acessório para proteger a palidez da pele, muito valorizada na época, e chegou ao seu auge no século XIX.
Um dos registros visuais desse artefato é a peça aqui apresentada, uma sombrinha de seda, do século XIX, com cabo de ferro e porcelana, decorada com a pintura de um casal e medindo aproximadamente 83 cm. A seda, tecido nobre, foi fabricada do casulo da lagarta de diversas mariposas. O aramado, suportado por uma haste em ferro, também compõe o artefato, dando um toque nobre ao acessório. Já a representação de um casal, encenada na pintura que reveste o cabo da sombrinha, remete à imaginação da paixão, do encantamento do encontro e da cumplicidade a dois.
Já nos anos 50, as mulheres usavam as sombrinhas muito mais pelo seu charme do que pela sua praticidade, desfilavam pelas ruas exibindo seus glamourosos acessórios da moda. Nos dias de hoje, ela é um utilitário que, graças aos novos modelos cheios de cores, estampas e formatos diversos, voltou à cena com tudo como um acessório de moda prático e versátil, para fazer a alegria principalmente de quem mora em cidades de climas extremos, com muitas chuvas ou muito sol.
AZEVEDO, Maria Thereza Oliveira. Passeio de sombrinha: poéticas urbanas, subjetividades contemporâneas e modos de estar na cidade. Revista Magistro [online], Rio de Janeiro, v.8, n.2, p. 138-146, 2013.
GUATTARI, Felix. Caosmose um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 1992.